terça-feira, 21 de maio de 2013

Da emissão paraguaia da década de 1870 – luzes sobre o pós-guerra

Nos estudos dos “jogos de guerra”, um dos preceitos é que os conflitos armados são apenas 20% de uma guerra, os outros 80% são tratados de ameaças e diplomacias, antes e depois do conflito armado. Na guerra do Paraguai, também chamada de guerra da Tríplice-aliança, essa máxima não poderia ser diferente. Podemos dizer que o conflito armado iniciado em novembro de 1864 e encerrado em março de 1870, foi apenas parte de um grande enredo chamado “questão do prata”, enredo esse iniciado em 1811 pela anexação definitiva da banda oriental (Cisplatina) por parte da coroa portuguesa e seu rei João VI reinando diretamente aqui do Brasil. Outras questões como as fronteiras reais entre a Argentina e o Paraguai, foram o estopim para a escalada de rivalidade que culminou na guerra efetiva. Os argentinos conseguiram anexar as regiões paraguaias de Formosa e das Missões Jesuíticas, chamadas de chaco central. Este conflito foi a maior guerra já travada no continente Americano, e envolveu: 150 mil soldados paraguaios, 200 mil soldados brasileiros, 30 mil soldados argentinos e 6 mil soldados uruguaios. A estimativa é que morreram no conflito entre militares e civis de todas as nacionalidades 385 mil pessoas e que o conflito acabou por arrasar social e economicamente o Paraguai.

foto original

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Porém este artigo não é sobre a guerra e sim sobre uma emissão em cobre, fruto do findar da guerra. Vamos aos fatos: No dia 1º de janeiro de 1869 sob o comando do exército imperial brasileiro, a força tarefa da tríplice-aliança entra em Assunção – a capital cai nas mãos dos aliados. No dia 22 de junho deste mesmo ano o governo imperial brasileiro, institui uma junta de governo fantoche para governar em Assunção, encabeçada por Cirilo Antônio Rivarola, um dos políticos contrários ao governo de Solano Lopez, que no norte do Paraguai foi morto no dia 1º de março de 1870, encerrando assim o conflito armado. A partir de 20 de junho de 1870, o Brasil em separado inicia tratativas de paz com a junta de governo paraguaio, essa tratativa de paz foi assinada em definitivo em 09 de janeiro de 1872. Já os argentinos que pretendiam anexar partes do território paraguaio, só concluíram os tratados de paz em 1876, perdendo assim o Paraguai - 30% de seu território para esse país. A população paraguaia do interior que sobreviveu a guerra emigrou para as imediações de Assunção gerando assim um inchaço populacional nesta cidade. Em 1872 o governo paraguaio é forçado a contrair um empréstimo de 1 milhão de libras, junto a Inglaterra e vê seu mercado interno ser tomado por produtos importados desse país. É nesse cenário que se faz necessária a emissão do cobre amoedado.

Da escolha do projeto para a cunhagem: A junta de governo paraguaio levantada em junho de 1869 era na verdade um triunvirato – formado por Rivarola, Loizaga e Bedoya, porém quem mandava mesmo era Rivarola, que era alinhado ao Brasil. Foi ideia do governo imperial brasileiro a cunhagem de moedas de cobre, face as dificuldades de comércio em Assunção, naquela emergência de guerra e inspirada na emissão de moedas do mesmo estilo por parte do governo uruguaio. Foram encomendados dois projetos para essa emissão. Um deles junto a firma Carlos Ressing y Conlazo (alinhada com os uruguaios) outra com a firma Vicente H. Montero (alinhada com os brasileiros e interesses ingleses). Rapidamente o congresso reunido em 1869 elege o projeto de Montero como o ideal para a cunhagem, porém o 3º trimestre de 69 e o ano de 70 foram recheados de distúrbios internos, problemas sociais e políticos que impediram essa cunhagem neste ano. O projeto foi posto de lado. Já em junho de 1971, por interesses do presidente Rivarola, suspendeu-se o projeto de Montero e deu-se o status de aprovado ao projeto de Ressing. Em 04 de junho o projeto de Ressing volta a ser analisado pelo senado e é embargado por motivos de lobby. Em 14 de agosto é publicado um laudo que atesta a qualidade do cobre das amostras do projeto de Montero para a cunhagem. Finalmente em 24 de agosto aprova-se a lei que autoriza a cunhagem e a circulação de peças de cobre de 1, 2 e 4 centésimos de peso forte, frutos da cunhagem e emissão de 100.000 pesos fortes em cobre. Essa mesma lei autorizou também o pagamento de 20.000 pesos fortes a firma Montero, pelo produto da venda da propriedade fiscal do projeto. Montero muito esperto decide receber em moedas de cobre, aumentando a emissão hipotética para 120.000 pesos fortes. Interessante também destacar que no texto da lei de autorização desta cunhagem consta que as resoluções do congresso para autorizar essa emissão são “provisórias”, e estão sujeitas á chancela e sanção de um poder “maior” que seria ditado posteriormente á assinatura. Essa sanção nunca se deu, e possivelmente esse “detalhe” tenha-se dado pelo medo dos congressistas de ter desagradado algum interesse brasileiro e inglês. A emissão então autorizada se dá entre setembro e dezembro de 1871 e seu carregamento chega em Assunção em janeiro de 1872 vinda de Birmingham – Inglaterra. A emissão teve curso legal até a data de 11 de setembro de 1877, quando uma lei executiva ordenou reter nas tesourarias nacionais do território paraguaio todas as moedas dessa emissão, assim como as que foram integradas pelos direitos fiscais de 2%, pertencentes a firma Monteiro. Essa nova lei de 1877 nos revela que Monteiro ganhou 2% de direitos sobre a emissão que foi de 120.000 pesos fortes, então na verdade haviam sido cunhadas 122.400 pesos fortes em centésimos de cobre. Esses 2.400 pesos fortes talvez não tenham sido cunhadas em Birmingham e sejam as peças de 4 centésimos variantes que vemos hoje em dia.

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Das características da emissão de 1871 com data retroativa a 1870:
A emissão com data retroativa busca ressaltar a importância da data da vitória do Brasil frente a seus inimigos, essa alegoria é válida pois era de interesse do estado brasileiro ressaltar o poder da monarquia reinante, e isso se deu pela imortalização da data 1870. Anverso: vemos a legenda – República del Paraguay - no campo central uma estrela cintilante e radiante (que é o símbolo do Paraguai desde sua independência) a estrela é ladeada por dois ramos de Palma e Oliva (que no projeto inglês foi trocada por um ramo de carvalho), esses ramos são unidos pelo laço pátrio da união, abaixo desse laço vê-se uma pequena estrela. Tudo isso é rodeado por um cordão de pontos chamado de grafila. Reverso: no topo vê-se uma coroa de olivas formado pela união de dois ramos, no exergo vemos a data 1870, no centro em um círculo forrado de linhas, vemos o numeral do valor, sob o numeral uma cinta com o dizer – Centésimos – no canto direito inferior vemos a marca do gravador da emissão – Shaw.

Da emissão paralela de 1871, realizada em Assunção:
Em um estudo realizado em 1934 pelo numismata Argentino B. Rossani, foram reunidas e rastreadas 580 peças de 4 centésimos de peso diferentes e distintas da emissão inglesa. As peças reunidas por Rossani apresentavam elementos como a ausência de autor da cunhagem (sem assinatura), outras com a assinatura Sáez e outras com a assinatura L. Sáez. Muito provavelmente essa emissão paralela a emissão inglesa, se deu pela autorização de cunhagem de 2% da emissão original para lucros da firma Montero, ganhadora da concorrência pelo projeto de emissão, então como os custos de mandar cunhar tão poucas peças na Europa era muito elevado, contratou-se o serviço em Assunção mesmo, porém até o momento não sabemos muito da identidade desse gravador. L Sáez. O jornal “Nacion Paraguaya” datado de 08 de outubro de 1872, informa que parte do comércio de Assunção está desabastecida de cobre para troco, e que outra parte recusa-se a aceitar como pagamento peças de cobre. Essa desavença relatada pelo jornal da época, muito provavelmente mostra que os interesses uruguais e brasileiros\ingleses geraram rivalidade no comércio, como os uruguaios perderam a corrida pela emissão do cobre, provavelmente recusavam-se a aceita-lo nas transações. A emissão de Sáez também pode ter a ver com esse contexto de falta de numerário ou recusa de circulação de numerário. Vale destacar que as peças uruguaias emitidas em 1869 em cobre circulavam livremente no comércio de Assunção, provavelmente essas moedas tenham sido tomadas como modelo para a emissão paraguaia, pois tem o mesmo peso, medida e valor de circulação.

Sobre a cunhagem de Birmingham: A cunhagem das peças de cobre se deu na empresa Heaton E Sons – Birmingham Mint, a maior e mais influente casa da moeda privada do mundo no século XIX. Essa empresa iniciou suas atividades de forma tímida em 1850 quando da aquisição de uma massa falida, em um leilão do espólio de Matthew Boulton por parte de Ralph Heaton II. Foram compradas apenas 04 prensas de rosca movidas á vapor para estampar moedas mecanicamente, além de 06 pranchas para laminar metal e cortar os discos. Com 300 funcionários essa empresa era á sua época uma das mais evoluídas no corte de metal e também produzia: peças metálicas para fuzis, peças para munição, peças para bombas de artilharia e canhão, lâminas para espadas, baionetas, facas e espadas, pavios metálicos para detonação, ou seja estava nitidamente ligada a temática da guerra, e muito provavelmente foi fornecedora dos exércitos aliados durante o conflito no Paraguai. A fábrica Heaton era rica e representava o poderio indústria inglês da revolução industrial, então tinha agentes de lobby espalhados pelo mundo afora, dentre os contratos realizados por essa empresa, antes da emissão paraguaia destacamos: cunhagem para o Chile independente, para a Austrália e Índia britânicas, emissão das peças de bronze Napoleão III da França, emissão das peças Itália unificada de Vitor Emanuel, emissões em ouro para a África do Sul. Então resumidamente a fábrica visava lucros em todos os continentes, dentre eles a América. Sabemos que Charles J. Shaw, o gravador das peças de 1, 2, e 4 centésimos era um agente desta fábrica e que tratou diretamente com o governo paraguaio a liberação desta emissão, inclusive recebendo gorda comissão por esse feito. A inspiração para Shaw foi o desenho do cunho uruguaio de 1869 assinado pelo francês Ernest Tasset. Aparentemente Shaw alterou algumas características do projeto original paraguaio para se distanciar um pouco do cunho de Tasset, evitando assim problemas com plágio. Também é nítido que Shaw aproveitou-se da cunhagem paraguaia para divulgar o seu trabalho como design de moedas e medalhas.

Fontes: A história numismática de Birmingham mint. James O. Sweeny (1981) Birmingham, Inglaterra. Ralph Heaton & Sons de 1840 a 1888. (1997), Arquivo nacional da Grã-Bretanha, Londres, Inglaterra. Quatro centésimos do Paraguai. (1966), Jorge N. Ferrari, Buenos Aires, Argentina. Registro oficial da república do Paraguai, anos 1871 a 1877, Editora Ficher y Quell, Assunção, Paraguai. Numismática paraguaia. (1934), Argentino B. Rossani, São Paulo – SP. Periódico La Nacion Paraguaya, 1872, Biblioteca nacional de Assunção, Paraguai. Museum Victoria (museumvictoria.com.au/collections) Austrália

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