quinta-feira, 26 de junho de 2014

O Neocolonialismo francês nas Américas do Século XIX
 Muitas revoluções ficam esquecidas na memória por sua efemeridade. Algumas nem estampam livros de história geral por serem infrutíferas em suas ambições. Pouco se discute sobre os reais interesses colonialistas de Napoleão III – o Rei da França – também chamado de Napoleão “o pequeno polegar” por ser de baixa estatura. Porém, esse baixinho invocado tentou durante as décadas de 1860 a 1870 instituir novo regime colonialista nas Américas, e como fruto nos deixou alguns itens numismáticos interessantes – principalmente moedas que pouco ou nada circularam. 



O neocolonialismo francês na América do Sul: o Reino Patagônico de Tounens 
O Reino da Araucânia e Patagônia foi um autoproclamado estado independente fundado por um advogado e aventureiro francês chamado Orelie-Antoine de Tounens na América do Sul, em meados do século XIX, e nunca reconhecido por qualquer outro estado soberano. Nessa época, os indígenas locais (o povo Mapuches) estavam em uma luta desesperada para buscar sua independência. Além disso, viam a hostil aproximação econômica e militar dos governos do Chile e da Argentina, que queriam “legitimar” terras Mapuches a seus territórios, por seu potencial agrícola. 

O reino reclamava as terras da Patagônia e da Araucânia situadas a sul do rio Biobío até a margem norte do rio Reloncaví, de acordo com as fronteiras traçadas pelo Tratado de Killen de 1641 entre a nação Mapuche e a Espanha, abarcando as atuais regiões chilenas de Biobío, Araucânia e Los Lagos. A sua capital seria situada em Perquenco, no Chile. Em 17 de novembro de 1860, os líderes mais destacados da nação Mapuche, que integravam a tribo Lonko Kilapán, representada pelo chefe Gulumapu, e a tribo Kalfacura, representada pelo chefe Puelmapu, juntamente com o cidadão francês Orelie-Antoine de Tounens (naturalizado Mapuche) estabeleceram uma monarquia constitucional e hereditária em Wallmapu. O evento efetuou-se depois de meses de encontros, deliberações e reuniões em todo o território Mapuche. Esse processo de debates foi concluído em um ato solene conhecido como ‘Futha Koyan’ (a grande assembleia), por disposição das autoridades mapuches presentes. Orelie-Antoine foi eleito Rei de Araucânia e Patagônia. A Constituição Mapuche/Francesa contempla a criação de Ministérios, um Conselho do Reino, um Conselho de Estado, um corpo legislativo nomeado por sufrágio universal, uma Suprema Corte de Justiça. O regime político e administrativo estava integrado inteiramente por mapuches: Lonko Kilapán foi nomeado Ministro da Guerra; Lonko Montril, Ministro de Relações Exteriores; Quilahueque, Ministro do Interior; Calfouchan, de Justiça; Marihual, de Agricultura etc. A Constituição estava inspirada na francesa dessa época e considerava, entre outros, como direitos naturais e civis, o respeito às liberdades individuais e a igualdade ante a lei. 

O Reino de Araucânia e Patagônia foi fundado meio século depois da independência de Chile e Argentina frente a Espanha na década de 1810, evento que para os mapuches não significava nada para sua independência e nem alterava a fronteira delineada, séculos anteriores, entre a nação Mapuche e os territórios sob controle da Espanha. De fato, os nascentes estados nacionais (Chile e Argentina) incorporavam inicialmente em suas legislações o Estado de Direito imperante entre Espanha e a nação Mapuche, ambas as repúblicas firmaram unilateralmente novos tratados com o povo Mapuche, reconhecendo explicitamente a soberania da nação Mapuche. É importante destacar que o reconhecimento da independência da nação Mapuche pela Espanha somente foi possível graças à habilidade e audácia do exército Mapuche em defesa da soberania nacional. A Coroa Espanhola viu-se forçada a reconhecer a independência do povo Mapuche e estabelecer a fronteira depois de quase cem anos de infrutífera guerra colonialista, em que sofreu humilhantes derrotas. A linha fronteiriça, desde o rio Biobío ao sul e todo o sul do que hoje é a República Argentina foi sistematicamente ratificada por Espanha mediante a celebração de mais de 30 tratados. Ao longo de séculos de, às vezes turbulentas, relações bilaterais entre ambos os povos, também houve períodos de paz em que floresceu o comércio e outros aspectos da vida social, diplomática e cultural. Isso reflete no nos tratados firmados, o último dos quais se celebrou em Negrete (Argentina) em março de 1803. Com a fundação do Reino de Araucânia e Patagônia, as autoridades mapuches reafirmavam ante o mundo seu direito à autodeterminação e, com esta estratégia, aspiravam o reconhecimento e apoio internacional. Os mapuches deduziam que a organização de um estado moderno ajudaria a despertar o interesse e a confiança dos países europeus sobre sua nação, criando as bases de legitimidade e estabilidade necessária que lhes permitiriam salvaguardar a integridade territorial e independência nacional pela qual haviam lutado por séculos. Em 1862, o Rei Orelie-Antoine foi preso em território Mapuche (perto da fronteira com o Chile) por solados chilenos que haviam cruzado a fronteira fingindo ser comerciantes. 


Depois de um ‘processo judicial’ e encarceramento, foi deportado para a França. Durante o processo contra o Rei Orelie, o estado Chileno não pôde justificar sua interferência nos assuntos internos de Wallmapu nem provar a suposta violação por parte do Rei Orelie de suas leis internas, que o estado chileno visava aplicar em território mapuche. Durante seu exílio na França, o Rei Orelie-Antoine organizou uma ativa campanha publicitária e diplomática, exortando as potências europeias a intervirem para impedir a invasão militar em andamento pelas repúblicas de Chile e Argentina. Apesar dos parcos resultados de seus esforços na Europa, conseguiu organizar três expedições para juntar-se aos patriotas mapuches que resistiam à agressão estrangeira. Entre 1862 e 1865, as repúblicas de Chile e Argentina, violando suas próprias legislações, para além das normas de direito internacional, lançaram uma agressão armada coordenada contra a beligerante nação Mapuche. Dezenas de milhares de mapuches foram massacrados, os toki y lonko, incluindo suas famílias, foram perseguidos e assassinados em ato de guerra não provocado pelos mapuches, nem declarada pelos governos criolos; guerra de agressão conhecida no Chile como “Pacificação da Araucânia” e na Argentina como “Campanhas do Deserto”. Finalizada a guerra, os estados vencedores ocuparam, colonizaram e posteriormente repartiram o Wallmapu e, em 1902, mediante o arbítrio da Coroa Britânica, estabeleceram a fronteira que hoje divide o povo mapuche entre o Chile e a Argentina. O Rei Orelie-Antoine faleceu em Tourtoirac, França, em 17 de setembro de 1878, depois de uma longa enfermidade contraída em consequência do tratamento carcerário no Chile. A história oficial dos estados vencedores da guerra se referia à fundação do Reino de Araucânia e Patagônia como um evento pitoresco, pouco sério e risível. Com efeito, a fim de desacreditar a importância e relevância histórica e jurídica, desprestigiavam com ataques pessoais a quem tomava parte nesse fato histórico, sem precedentes na história de resistência indígena americana. E, na França, a tentativa mal sucedida repercutiu nocivamente sobre o processo neocolonialista europeu, forçando muitas nações a abandonarem objetivos nas Américas e destinarem novos processos colonialistas ao continente africano. 

         Suposto Rei da Araucânia




O neocolonialismo francês na América do Norte: o Reino Mexicano de Maximiliano 
Entre 1862 e 1867, Napoleão III interveio no México, numa guerra que arruinou as finanças francesas. Com o objetivo de garantir o comércio francês na América do Norte, conter a crescente hegemonia dos Estados Unidos e por fim à instabilidade política entre grupos locais, as tropas francesas invadiram e prestaram apoio à oposição ao governo do México, derrubando seu presidente, Benito Juárez. Organizando no México uma nova estrutura política, Napoleão e os monarquistas mexicanos oferecem o trono mexicano ao arquiduque Maximiliano da Áustria. Os problemas financeiros e militares e a instabilidade política na Europa fizeram suas tentativas de estender os interesses coloniais franceses ao México malograrem. Em 1866 Napoleão retirou suas tropas do país americano, deixando o novo regime virtualmente sem proteção. O imperador Maximiliano montou uma resistência, mas foi aprisionado no cerco de Querétaro. Maximiliano acabou sendo fuzilado. 

  Rei Maximiliano do México Francês

Ao estabelecer um império francês no México, Napoleão III imaginou um efeito tipo dominó: depois do México, haveria um modelo a ser seguido por quase todas as ex-colônias tornadas repúblicas nas Américas. Desse modo, seria possível “civilizar e monarquizar” aqueles Estados, conforme a expressão da imperatriz Eugênia, que já via na região “um lugar para instalar tronos para a numerosa nobreza europeia e seu excesso de príncipes”. Mergulhados na Guerra da Secessão, os Estados Unidos estavam debilitados para impor a chamada Doutrina Monroe – que pregava a oposição a intervenções europeias no continente americano. Italianos e ingleses, por sua vez, já haviam deixado o México depois da tomada de Vera Cruz. “Livremo-nos da triste questão mexicana” era uma espécie de bordão dos aliados, que previam problemas com os nativos e com a França. Por desinformação ou paixão pelo próprio projeto, Napoleão III achou por bem propor à Áustria que o arquiduque Maximiliano, irmão do imperador austríaco, fosse levado ao trono no México. O que se seguiu foi a ocupação do México pela França, numa luta que de saída registrou mil baixas no exército invasor. Os franceses descobriram que o México tinha um exército e um povo que, ao contrário da conversa palaciana de Paris, não estava à espera de um salvador nem se levantaria contra um dos seus. Para salvar a honra nacional francesa, porém, era preciso ficar no México e ir até o fim. A chegada de reforços possibilitou o difícil avanço europeu, até a tomada da Cidade do México, em junho de 1863. As lutas políticas locais opunham os conservadores, apoiados pela Igreja e por proprietários de terra, aos ditos “liberais” ou “radicais”, reunidos em torno de um partido anticlerical e favorável ao confisco dos inúmeros bens da Igreja. O último dos presidentes do período foi o radical Benito Juárez, que encontrou o país endividado por obra do antecessor e suspendeu todo e qualquer pagamento para as potências europeias. Não bastasse, subiu o tom do discurso político, com ameaças a estrangeiros. Vítimas do calote de Juárez, França e Inglaterra romperam relações diplomáticas com o México. A Espanha, que tinha grandes interesses financeiros na sua ex-colônia, aliou-se aos dois países contra o presidente radical. Em 9 de janeiro de 1962, as frotas aliadas desembarcaram em Vera Cruz e ocuparam a cidade, sem enfrentar grande resistência. Essa operação recebeu o nome de Expedição do México. Foi nesse período de transe político que viajantes e missionários europeus passaram a acalentar o sonho de um México regenerado pela França. Não por acaso, eles ofereciam essa teoria para os membros do partido conservador, apeados do poder por Juárez, e para os negociantes. Por alguma razão, idêntica tese chegou à então otimista realeza francesa: sabe-se lá como, Paris começou a achar que os mexicanos estavam fartos de sua república e ávidos por uma monarquia à moda europeia. Ao mesmo tempo, um projeto era arquitetado no palácio imperial francês, alimentado também por notícias sobre a existência de generosas minas de prata no noroeste mexicano. O imperador da França, Napoleão III, andava às voltas com uma importante escassez de dinheiro. 


O suposto filão de prata talvez fosse capaz de equilibrar sua base monetária. O monarca, por certo, teve ainda uma visão econômica de mais longo alcance. Dinheiro seria ótimo, mas criar uma zona de influência francesa no centro das Américas poderia ser ainda melhor, garantindo esse mercado para os manufaturados franceses e, do ponto de vista político, a contenção da crescente influência dos Estados Unidos na região. Tais ideias têm a assinatura de outro personagem histórico, o assessor econômico do rei, Michel Chevalier. Para ele, cumpria à França assumir a liderança de um grupo de países latinos – Itália, Espanha e México – para rivalizar economicamente com países de origem anglo-saxônica, como a Inglaterra e os Estados Unidos. É difícil imaginar, hoje, o quanto o México fascinava a Europa em meados do século XIX. Naqueles anos de otimismo e audácia inusitados, os intelectuais já estudavam os maias e os astecas, sua escrita misteriosa e seus monumentos enigmáticos. Assim surgiu no império francês o projeto de criação de uma grande monarquia católica no México, tão poderosa quanto a república protestante dos Estados Unidos. Deixado livre, o projeto virou sonho, e o sonho se perdeu no exagero. Terminou assim – sem dar frutos – o processo de neocolonialismo francês nas Américas. 

Fontes bibliográficas: 
www.steelcrown.org 
www.araucania.org 
www.mapuche-nation.org/english/html/kingdom/index.html 
BRULEY, Yves. Maximiliano do México - Um fantoche francês. Revista História Viva, edição 66
Todas as fotos foram retiradas da internet através de pesquisa do google

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